Por Marc Souza
Em uma busca rápida na internet sobre agentes prisionais encontrei muitos textos interessantes, porém algumas situações me chamaram a atenção. Seja em textos produzidos há dez, quinze anos atrás, seja em textos produzidos nos dias atuais, todos têm alguns assuntos em comum, como, por exemplo: a falta de efetivo funcional, as condições precárias de trabalho, a superpopulação carcerária, a falta de valorização dos profissionais, e claro, as consequências destas situações junto ao sistema prisional e principalmente junto aos trabalhadores deste sistema.
Para se ter uma ideia, em um relatório datado de julho de 2006, e assinado pelo então Deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias dizia: “É urgente promover uma reflexão sobre o papel do agente penitenciário, definir suas responsabilidades, valorizar suas funções, dar-lhe condição de trabalho e segurança, como um dos pilares para a imediata reestruturação do sistema”.
No mesmo ano um estudo elaborado por Cassiano Ricardo Rumin que avaliava as condições de trabalho e os possíveis impactos sobre a saúde dos trabalhadores de agentes prisionais do estado de São Paulo, identificou que o reduzido número de servidores penitenciários estava levando estes a uma sobrecarga de trabalho prejudicando a saúde destes.
Em 2010 o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais relatava que as más condições de trabalho nas penitenciárias, com número insuficiente de trabalhadores dentro das unidades, superlotação das prisões e ausência de equipamentos de segurança, contribuíam para o ressentimento dos agentes em relação à dificuldade de modificar o ambiente laboral, ressaltando que tal situação acabava refletindo na saúde destes profissionais.
Anos depois, em 2013, Deise Benedito, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em debate sobre o sistema prisional promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), ressaltou: “O agente penitenciário tem que ser valorizado à altura do que lhe é cobrado”, e continuou falando sobre as condições de trabalho: "não é possível conceber" que um único agente cuide de 100 ou 150 pessoas. Nessas condições, observou, “os profissionais não têm como desempenhar sua função”.
No artigo, A realidade do sistema penitenciário brasileiro e o princípio da dignidade da pessoa humana, de Elisa Levien da Silva, publicado em 2013, a autora relatava que “a decadência do Sistema Penitenciário Brasileiro atinge não somente os apenados, mas também as pessoas que estão em contato direta e indiretamente com essa realidade carcerária”. A autora ainda destacava que entre 2000 e 2010 teria havido um aumento de 113% na população carcerária, tornando os presídios em verdadeiros depósitos humanos.
Em 2018, um artigo escrito por Deisiane Rodrigues Albuquerque e Marley Rosana Melo de Araújo, da Universidade Federal de Sergipe, publicado na Revista Psicologia e Saúde em abril de 2018, destacava que a pressão de trabalhar em presídios aumentava com o problema da superlotação, o baixo efetivo e a precarização do sistema prisional.
Porém, se voltarmos ainda mais no tempo, encontramos estudos realizados por Ana Silvia Furtado Vasconcelos, Saúde Sob Custódia: um estudo sobre agentes de segurança penitenciária no Rio de Janeiro, em 2000, e Rita de Cássia Pereira Fernandes, Annibal Muniz Silvany Neto, Gildélia de Miranda Sena e outros em Trabalho e Cárcere: um estudo com agentes penitenciários da região metropolitana de Salvador, de 2002 que também destacam essas agruras do sistema prisional.
Enfim, estes são alguns, de uma infinidade de textos e artigos que se referem aos agentes prisionais e os principais problemas encontrados por esta categoria no dia a dia e que estão em destaque há anos, deixando evidente que os problemas encontrados hoje no sistema prisional vêm de longa data.
Os estudos apresentados, muitos publicados e realizados por universidades e outros pelo próprio poder público, só vem corroborar o descaso com que o Estado trata o sistema prisional.
Mesmo sabendo das dificuldades encontradas no dia a dia, o Estado simplesmente ignora tais dificuldades, não apresentando quaisquer soluções para os problemas encontrados e o que é pior, ignorando-os, pois, desde muito tempo se tem a consciência do caos encontrado neste sistema e mesmo assim, nada é feito para solucioná-lo.
Caos este que reflete não só na saúde dos trabalhadores, mas também na saúde e nas condições de vida do indivíduo preso que, por vezes, está abandonado à própria sorte em unidades prisionais que mais parecem depósitos humanos, vivendo abarrotados em celas em condições totalmente insalubres, quando não resultam em violência dentro das instituições penais, através de motins e rebeliões.
Assim, ao analisarmos os vários estudos sobre o sistema prisional durante os anos, e as atitudes do Estado para sanar os problemas encontrados, parece-nos até que os grandes muros de concreto que circundam as unidades prisionais de todo o país não servem somente para a segurança das unidades, mas também como um meio de esconder o caos que está por trás destes muros, imposto pelo descaso, omissão e negligência do Estado.
Marc Souza é policial penal, escritor e diretor do SIFUSPESP
Por Marc Souza
A classe política nacional decidiu que os funcionários públicos, selecionados por concurso públicos de provas e títulos, são os grandes vilões dos gastos do Estado e a grande causa dos sucessivos prejuízos causados ao erário público.
É interessante que, para a classe política, não são suas próprias benesses e regalias as grandes causadoras de despesas para o Estado. Nem os agentes públicos que, por serem de livre nomeação deles próprios e seus partidos políticos, aparelham o Estado, estando nas diversas áreas do governo para servirem os interesses de quem lhes nomeou e não para protegerem o patrimônio público. Nem os ministros e secretários de Estado, todos de livre nomeação política, tampouco a grande discrepância de salários, principalmente da cúpula dos três poderes que já em início de carreira ganham quase o teto estabelecido.
Políticos brasileiros possuem não só benesses, mas também verdadeiras regalias de causarem inveja em políticos do mundo todo. Para se ter uma ideia, um deputado federal ganha um salário mensal de R$ 33.763,00, mais auxílio moradia de R$ 4.253,00 ou apartamento de graça, verba de gabinete de R$ 111.675,59 para gastar com funcionários, além de valores entre R$ 30.788,66 e R$ 45.612,53 para gastarem com aluguel de veículo, escritório, divulgação de mandato, entre outras despesas, além de ressarcimento com gastos médicos.
Um ministro de Estado, por exemplo, pode chegar a ganhar até R$ 100 mil mensais se contarmos os gastos com carros oficiais, auxílios moradias, alimentação, segurança, assessores e motoristas. E, pasmem, para ser um ministro de Estado a pessoa nem precisa ter curso superior ou qualquer experiência na área que irá desenvolver o seu trabalho. Para exercer, basta ser indicado pelo Presidente da República.
Na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo a realidade não é diferente, segundo reportagem do site de notícias UOL de 19/07/2020. Mesmo no período de pandemia, os deputados estaduais haviam gastado cerca de R$ 7,6 milhões de janeiro a maio com moradia, transporte e serviços de comunicação.
Em 2018 o Congresso Nacional Brasileiro foi considerado o segundo mais caro do mundo, perdendo somente para o Congresso dos Estados Unidos. Portanto, algo não bate. As contas, nem pensar!
No entanto, a classe política insiste em acusar servidores públicos de carreira como os grandes vilões, apresentando propostas esdrúxulas que protegem suas regalias e prejudicam os verdadeiros representantes do Estado, que são aqueles que estão ali para defenderem os interesses do Estado, pois foram escolhidos por concurso público de provas e títulos e não estão ali por serem “amigos” de políticos.
Apesar de se autodenominarem protetores do Estado, e principalmente responsáveis pelos gastos públicos de forma eficiente, a classe política nacional não apresenta quaisquer projetos que delimitam seus gastos, que diminuem suas cotas ou seus benefícios. Não apresentam projetos que visam o enxugamento da máquina pública, começando pelos cargos comissionados de livre nomeação deles próprios. E principalmente não apresentam projetos que dificultam a corrupção, criando leis severas contra aqueles que cometerem tal crime.
Nos últimos anos, o Estado foi vítima constante de esquemas que defraudaram seu patrimônio de forma sistêmica causando prejuízos incalculáveis. Escândalos como o Mensalão do PT, Mensalão do DEM, Mensalão do PSDB, a máfia da merenda, escândalo da Petrobras (Lava Jato), Banestado, Máfia dos Sanguessugas, dentre outros. Há de se ressaltar que, até neste período de pandemia, onde a classe política e o Estado deveriam trabalhar juntos em prol da sociedade e do bem público, várias suspeitas de corrupção estão sendo levantadas e investigadas em vários estados e no Ministério da Saúde.
Por isso, não dá para acreditar na boa vontade daqueles que, para se protegerem e protegerem aos seus, acusam os verdadeiros protetores do Estado de serem os grandes vilões nas contas públicas. Principalmente quando alegam que uma das grandes causas da ineficiência do Estado é a estabilidade do funcionário público concursado. Aí vemos que não há qualquer boa intenção partindo da classe política.
Se analisarmos a maioria dos casos de corrupção do país, casos estes que a classe política não faz nada para combater, a maioria dos casos envolvem entes políticos e seus apadrinhados, em sua maioria, funcionários públicos indicados em cargos comissionados de livre nomeação - funcionários estes que claramente trabalharam em prol do seu partido ou seu político, ou grupos de políticos, e nunca, a serviço do Estado - portanto, o aumento deste tipo de servidores, sem qualquer compromisso com o serviço público e o Estado propriamente dito, vai aumentar a influência política dentro dos órgãos públicos transformando os serviços públicos em secretarias de partidos ou políticos, facilitando ainda mais a corrupção dentro destes órgãos.
Por isso, ao analisarmos a reforma administrativa tão proclamada aos quatro ventos como um marco para a transformação do Estado, note-se que tal nada mais é que uma maneira que os políticos encontraram de, além de manter suas regalias, bem como as de algumas outras classes mais abastadas - como militares, magistrados, ministros de estado dentre outros poucos - aparelharem os estados com apadrinhados políticos e pessoas que se sujeitam a trabalhar a serviço destes e não a serviço do Estado.
Ao analisarmos a reforma administrativa, notamos claramente que a última coisa que nossos políticos se preocupam são com as contas públicas ou com os serviços prestados para a população em geral. O que eles querem, de fato, é aumentar seus poderes dentro dos órgãos, a fim de utilizarem a máquina pública ao seu bel prazer em detrimento de quem mais precisa, que é o povo brasileiro.
Marc Souza é policial penal, escritor e diretor do SIFUSPESP
Por Marc Souza
A profissão de Policial Penal foi criada por meio da promulgação da Emenda Constitucional 104, em 4 de dezembro de 2019. No entanto, ao longo dos anos o Policial Penal foi conhecido por diversos nomes: Agente de Segurança Penitenciária, Agente de Segurança Prisional, Carcereiro, Guarda de Preso, Agente Carcerário, Agente Penitenciário, Agente Prisional, Vigilante de Presídio, Vigilante Penitenciário, Guarda, Carrasco...
Independente das denominações recebidas ao longo dos anos, o Policial Penal faz parte de uma das mais antigas profissões do mundo, além de, segundo a Organização Internacional do Trabalho, ser a segunda profissão mais perigosa, visto as condições mínimas de segurança em que exerce o seu trabalho que é sujeito a motins, rebeliões, agressões, dentre outras situações limite.
Além disso, a atividade do Policial Penal está prevista no rol das atividades essenciais por se tratar de uma atividade que atende as necessidades inadiáveis da comunidade - necessidades que, se não atendidas, colocam em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.
Porém, quando passamos a investigar as origens desta tão importante profissão os dados são escassos. Contudo resta evidente que a história destes profissionais muitas vezes se confunde com a história do sistema prisional e, como o sistema prisional, evoluiu no decorrer dos anos.
Para a pesquisadora Rosalice Lopes, no livro O cotidiano da violência: o trabalho do agente de segurança penitenciária nas instituições prisionais (Psicologia para a América Latina, n.0, p.1-8, 2002), a categoria remonta inevitavelmente sua história, como carrascos, carcereiros e guardas de presídio, estando ligada a torturas, agressões e punições do desvio da ordem moral. Tal ligação dá-se sobre a premissa que, a princípio, as penas impostas não tinham qualquer finalidade a não ser o castigo e a retribuição do mal com outro mal (neste caso com a participação do carrasco).
Entretanto, com o passar do tempo, e principalmente a partir do século XVIII, período correspondente ao Iluminismo, a legislação penal começou a ser criticada por seus excessos e passou-se a se pensar em um programa de humanização das prisões, tendo a obra The State of Prisons in England and Wales With an Account of Some Goreng (1777), de John Howard, considerada o marco inicial.
John Howard defendia a construção de estabelecimentos adequados para cumprimento da pena privativa de liberdade, que garantissem alimentação e assistência médica, classificando as pessoas submetidas ao cárcere em três tipos: presos provisórios, definitivos e devedores. Além disso, Howard também pregava que as mulheres deveriam permanecer separadas dos homens. Por fim, ele captou a importância dos carcereiros na execução da pena privativa de liberdade e evidenciou a importância da fiscalização do magistrado no cárcere, de modo a coibir abusos, ressaltando ainda que o trabalho para o preso era fundamental para a sua reabilitação.
Neste contexto, surgiram diversas Escolas Penais a fim de encontrar o fundamento do jus puniendi. A Escola Clássica, a Escola Positivista e a Escola da Defesa Social. Para as referidas Escolas, segundo o escritor Julio Fabrini Mirabete, professor de Direito Penal, membro da Academia Paulista de Direito e do Instituto Manoel Pedro Pimentel, do Departamento de Direito Penal da USP, no seu livro Manual de Direito Penal (Volume I. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2004), a retribuição e a expiação da culpa pelo infrator deixam de ser finalidade da pena e, com isso, o propósito da pena é a reinserção do condenado à sociedade.
Ou seja, ao longo da história, a legislação penal, bem como o sistema prisional, evoluíram de um sistema que previa a utilização de penas sem finalidade alguma - fato que marcou a categoria de servidores penais de forma negativa, estigmatizando-os como pessoas violentas - para um sistema que busca a ressocialização como melhor forma de prevenir crimes futuros e tratar a transgressão das normas vigentes, com profissionais qualificados para isso.
No Brasil, atualmente cabe aos Policiais Penais cumprir o que disciplina a Lei de Execução Penal (1984), que tem como objetivo reintegrar o indivíduo preso à sociedade, corrigindo e reeducando-o, além de punir e ressocializar, garantindo a segurança e preservando os direitos humanos de acordo com a Constituição Federal de 1988, atribuições muito distantes daquelas presentes no imaginário e que, infelizmente, estigmatizaram a categoria.
Mesmo com poucas informações, resta evidente que a categoria, juntamente com legislação penal e o sistema prisional, não só mudou de nome por diversas vezes, mas, com o tempo, também mudou, evoluindo e criando uma identidade, posição social e princípio de existência, ganhando cada vez mais importância não só no âmbito penal, mas também no âmbito social, deixando de ser agente punitivo para ser agente ressocializador, fazendo parte efetiva na construção de uma sociedade mais justa e segura.
Destarte se a função ressocializadora deste ainda não é de certa forma eficiente, resta evidenciar que existem vários outros fatores a serem observados e que faltam políticas públicas que visam auxiliar neste caminho, sendo uma das causas a superpopulação carcerária.
No entanto, é sempre bom frisar que os Policiais Penais, mesmo sendo pouco valorizados e reconhecidos - seja pela população em geral que, por ignorância, tem em mente os antigos carrascos e carcereiros, seja pelo Estado que não fornece a estrutura necessária para que estes exerçam suas funções dignamente e em acordo com a Lei de Execução Penal e a Constituição Federal, sendo conivente com a superpopulação carcerária e a falta funcional, pagando baixos salários e sem prestar qualquer ajuda médica ou psicológica a estes profissionais - abandonados à própria sorte, ocupam a linha de frente no sistema prisional, arriscando suas vidas, vivendo, muitas vezes uma rotina traumática, mas com muita dignidade, procurando cumprir suas obrigações, sendo parte integrante no combate ao crime organizado, na proteção da população em geral, mesmo diante de todas as condições adversas por eles encontradas, se adequando, mudando, evoluindo, mesmo que a duras penas.
Marc Souza é policial penal, escritor e diretor do SIFUSPESP
Por Marc Souza
O preconceito social externado contra os profissionais que estão na linha de frente do combate ao coronavírus ou outros profissionais que tenham contato direto com pessoas infectadas é uma agressão ao ser humano
De repente tudo parou e o mundo virou de cabeça para baixo. Logo, fomos surpreendidos por uma ameaça mortal acometendo a todos, sem distinção de raça, cor, credo, classe social etc. Uma ameaça invisível que passou a ceifar vidas indiscriminadamente. Um inimigo tão perigoso que foi capaz de deixar as ruas, até da maior e mais populosa cidade do país, vazias.
Então, muitos de nós, para se proteger e proteger sua família e amigos, passaram a adotar o isolamento social. Uma atitude difícil, mas, essencial.
Mas nem todos podem adotar o isolamento social, pois, se o fizerem podem causar grandes transtornos, e vidas com certeza perder-se-ão. Portanto, mesmo com medo e temendo por suas vidas e dos seus, todos os dias, muitos profissionais saem de casa para exercerem a sua profissão, para cumprirem o seu dever, os integrantes das categorias consideradas essenciais.
São os policiais: penais, civis, militares, bombeiros; os profissionais da saúde, atendentes, auxiliares de serviços gerais, auxiliares de enfermagem, enfermeiros, médicos; profissionais da limpeza pública; coveiros; os funcionários de postos de combustíveis, açougues, mercados, entregadores etc. Enfim, um grande número de profissionais que, mesmo com todas as dificuldades, mesmo com todo perigo, enfrentam essa situação caótica com coragem e amor a profissão e, principalmente, amor ao próximo.
Mas, infelizmente, no dia a dia, esses profissionais não encontram somente os perigos desta pandemia dantesca, neste momento difícil. Eles e seus familiares têm que enfrentar uma situação desconcertante, humilhante e totalmente covarde. Se não bastasse todos os perigos que sofrem diuturnamente no exercício de suas funções, sendo inclusive vulneráveis ao adoecimento físico, psicológico e emocionais, estes ainda têm que superar e combater o preconceito social, sendo vítimas de discriminação de uma sociedade que deveria lhes agradecer.
São inúmeras situações, desde olhares desconfiados em ambientes públicos, distanciamento social, solicitação de mudança de condomínio, solicitação para utilização de elevadores exclusivos, pedidos para não frequentar determinados locais para não afastar os clientes etc. Amizades e relacionamentos abalados pelo simples fato de estarem em contato direto com portadores de coronavírus (COVID-19).
Esse tipo de discriminação e preconceito é maior contra os profissionais da saúde, mas também afeta os demais profissionais, principalmente os policiais penais, ou agentes de segurança penitenciária.
Com o aumento dos casos de COVID-19 nas cidades do interior do Estado, onde os policiais penais passaram a ser, na maioria das vezes, as vítimas mais proeminentes devido à uma série de fatores que os deixaram em contato direto com pessoas infectadas, o preconceito social passou a ser presente junto aos membros desta categoria e seus familiares.
Para se ter uma ideia, a situação chegou ao ponto de um prefeito da região Oeste do Estado de São Paulo proferir a seguinte frase: “... pelo andar da carruagem, a maioria dos sintomáticos ou internados é de agentes, mulheres destes servidores ou presidiários...”. Tal frase, totalmente preconceituosa e descabida, colocou tais profissionais e seus familiares em uma situação totalmente vexatória e, principalmente, mesmo sem querer, incitou o preconceito da população contra estas pessoas - preconceito este que pode/poderia até ocasionar em violência contra os mesmos.
Ademais, não é só a violência que atitudes como estas podem causar, existem outras consequências cruéis acerca de tais atos que geram o preconceito social. Para o psiquiatra Alceu Gomes Correia Filho, há grande evidência científica da relação entre doenças clínicas e a exposição constante a situações que envolvem preconceito, bullying e assédio moral.
“A discriminação gera estresse, que por sua vez produz respostas orgânicas, como a liberação de cortisol. Este impacto, se continuado, tem como resultado elevação da pressão arterial, por exemplo. Ainda que não saibamos a exata etiologia da hipertensão, a ansiedade crônica é um dos fatores mais aceitos”, detalha o psiquiatra.
Não podemos deixar de observar também que tais situações causam nas vítimas sentimentos de vergonha e negação, causando isolamento social, desencadeando um sem números de doenças psicossomáticas ou não.
O preconceito social externado contra os profissionais que estão na linha de frente do combate ao coronavírus, ou outros profissionais que tenham contato direto com pessoas infectadas, é uma agressão ao ser humano. Afinal, estas pessoas estão colocando suas vidas e as vidas das pessoas que amam em risco em prol da sociedade, em um exemplo do exercício da cidadania plena.
Assim, espera-se em contrapartida que estes profissionais sejam devidamente respeitados, pois estão na linha de frente combatendo um vírus mortal que ceifa a vida de milhares de pessoas diariamente e, mesmo correndo risco de morte, estes profissionais estão lá, firmes e fortes, lutando, combatendo, seja para amenizar sofrimentos, salvar vidas, ou manter a segurança daqueles que muitas vezes, ao invés de lhes serem gratos, devolvem preconceito e discriminação.
Marc Souza é policial penal, escritor e diretor do SIFUSPESP
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