Caso envolvendo o PM Wesley Góes em Salvador expôs ferida aberta do adoecimento psicológico de membros das forças policiais em meio a isolamento social

 

por Sergio Cardoso

O caso envolvendo o cabo da Polícia Militar Wesley Góes, falecido após confronto com companheiros de farda em Salvador, na Bahia, no último domingo(28), poderia servir de alerta para um dos maiores tabus que existem a respeito das forças de segurança em nosso país.

Por trás de todas as discussões que o caso levantou, a principal ficou de fora: Como o Estado e a sociedade estão matando os seus policiais.

Por incrível que pareça, no Brasil a maior causa de morte de agentes de segurança não é causada por confrontos com o crime e sim por suicídio e doenças relacionadas ao estresse: Diabetes, hipertensão, doenças cardíacas, obesidade, etc.

Em 2018, no Brasil foram 104 casos de suicídio contra 87 mortes em confronto. Se contarmos as doenças desencadeadas pelo estresse, este número muito mais que triplicaria.

Segundo dados de 2019 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a taxa de suicídios entre policiais é de 23,9 por 100 mil , enquanto no total da população comum o número é de 5,8 por 100 mil habitantes.

Estudo feito pela Ouvidoria da PM de São Paulo aponta que o estresse inerente à função policial, a falta de suporte de serviço de saúde mental, a depressão, conflitos institucionais(assédio moral), conflitos familiares e problemas financeiros, isolamento social, rigidez e introspecção, subnotificação de tentativas de suicídio e fácil acesso à arma estão entre as principais causa de suicídio naquela corporação.

Diante da polarização política vivida em nosso país, ambos os lados do espectro político esquecem de encarar o policial como ser humano e fecham os olhos para uma epidemia que não é a do Sars-Cov-19. São as chamadas "mortes por desespero": abuso de álcool, medicamentos psiquiátricos, drogas ilicitas e suicídio.

O termo criado pelos economistas Anne Case and Angus Deaton, da Universidade de Princeton, a partir da análise da redução da expectativa de vida nos Estados Unidos, descreve com precisão o quadro vivido pelos profissionais da segurança pública no Brasil.

A sensação de estar "enxugando gelo", a falta de reconhecimento e valorização são compartilhadas pela maioria dos policiais, não importando a corporação.

Desespero não tem uma definição médica ou científica. Pode estar relacionado a desordens de ansiedade ou depressão, mas nem sempre é restrito a estes casos. Embora possa ser identificado na falta de esperança que acomete boa parte do profissionais de segurança pública, muitas vezes escapa ao diagnóstico de tendências autodestrutivas e risco de suicídio. 

Com o aprofundamento da crise em que vive nossa sociedade e as consequências psicológicas provocadas pela pandemia, infelizmente a tendência é que estes casos aumentem de proporção se os governos e a sociedade não assumirem a responsabilidade e tratarem do problema.

Não devemos esquecer que o Estado de São Paulo possui há anos uma lei de saúde mental para os profissionais de segurança do sistema prisional que jamais foi regulamentada.

O caso do cabo Wesley só mereceu destaque por ter acontecido em um local público e pela forma escolhida: chamada por especialistas em segurança de "suicídio por policial" em que a vítima escolhe confrontar a autoridade de forma ameaçadora provocando a própria morte.

Um manual da PM discorrendo sobre o tópico deixa claro que o caso de Wesley seguiu estes padrões.

Causa enjoos ler os comentários em redes sociais tratando sobre o caso, que em vez de tratar do real problema, tentam transformar o cadáver do policial em troféu e comprovante de suas posições políticas, por uns como herói e para outros como vilão, sem por um segundo sequer pensar no ser humano que se foi, em sua família, amigos ou nos seus colegas de farda.

Valorização das polícias antes de viaturas com luzes brilhantes e armas de última geração, deve passar por valorização salarial, condições de trabalho dignas, fim do assédio moral, garantia de moradia digna, saúde psicológica, fim dos regulamentos opressores e reconhecimento profissional

Enquanto o conjunto da sociedade independente de sua orientação política não entender que atrás de fardas e distintivos existem trabalhadores que exercem a função policial para garantir o próprio sustento, e que estes trabalhadores são humanos que sonham, sofrem e amam como qualquer ser humano, mas que estão sujeitos a regras e ambientes muito mais duros e na maioria das vezes mais injustos, desgastantes e desumanizadores que a maioria de seus congêneres, corremos o risco de ter a repetição de outros Wesleys.