Governador afirmou que unidades construídas com dinheiro público serão geridas no modelo de Parceria Público-Privada - na verdade cogestão - e vice disse que com terceirização, “Estado vai economizar com aposentadoria de agentes”

 

Por Giovanni Giocondo

Em coletiva de imprensa nesta sexta-feira (14), o governador João Doria (PSDB) e seu vice e secretário de Governo, Rodrigo Garcia, voltaram a defender a privatização do sistema prisional como forma de economizar recursos públicos em São Paulo.

Em resposta a jornalistas, ambos negaram que o modelo seja prejudicial à segurança da população, apesar dos riscos de facções criminosas assumirem o controle das unidades prisionais, conforme alerta do SIFUSPESP.

Doria começou a coletiva afirmando não querer contestar a reportagem da Folha de S. Paulo publicada nesta sexta-feira, disponível neste link, e que questiona o déficit de servidores como símbolo de insegurança para a população e riscos à saúde dos presos.

O governador disse que “alguns depoimentos feitos na matéria não procedem”, e que não há insegurança devido à falta de funcionários nem “risco de qualquer espécie", mas um “absoluto controle sobre o sistema prisional”.

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Confira as falas de Doria e Garcia na coletiva:



O erro de Doria ao falar sobre PPPs

A seguir, ele  prometeu a inauguração de 12 presídios “feitos de forma arquitetônica, com engenharia de primeiro mundo, ampliando fortemente a oferta de vagas” (seriam mais 5.500).

Mediante uma série de desinformações, Doria anunciou que dessas 12 novas unidades prisionais que já estão prontas, ou que foram construídas com dinheiro do contribuinte, os quatro Centros de Detenção Provisória(CDPs) de Aguaí, Gália I e II e Registro funcionarão no modelo de parceria público-privada (PPP), à semelhança do Complexo de Ribeirão das Neves, em Minas Gerais.

Ocorre que esses CDPs, de acordo com o próprio edital, lançado pela Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) e discutido durante audiência pública no último dia 6 de maio, prevê que as empresas interessadas na futura licitação adotariam para esse contrato um modelo de cogestão, no qual seriam terceirizados os serviços de segurança, custódia, saúde e assistência social dos presos, à exceção da escolta para movimentações externas.

Por oposição, o sistema de PPP adotado em Ribeirão das Neves estabeleceu, quando de seu início em 2013, que a empresa vencedora da licitação construiria com dinheiro próprio e do zero a unidade, o que de fato ocorreu. Cabe ao Estado de Minas Gerais somente remunerar o consórcio vencedor do edital, mensalmente, pelos serviços prestados. Na cogestão, a exemplo das unidades do Amazonas, as unidades prisionais já existem.

Doria também citou as duas viagens feitas pelo secretário da SAP, Coronel Nivaldo Restivo, feitas com o intuito de “visualizar e compreender o funcionamento de prisões operadas neste formato nos Estados Unidos”, para examinar equipamentos de segurança e “de alta tecnologia”, em Israel, e complementou dizendo que Restivo vai para a Grã-Bretanha conhecer outros dois presídios.

O que nem o governador nem o secretário da SAP fizeram ainda foi conhecer de perto o sistema prisional paulista - e aqui fica o convite da direção do SIFUSPESP - para que os gestores reconheçam que, apesar da falta de investimento do próprio Estado, das dificuldades cotidianas, os servidores penitenciários realizam um trabalho de excelência.

Doria reafirmou que o modelo de São  Paulo será espelhado no modelo mineiro de Ribeirão das Neves “que funciona muito bem”, com “apenas duas fugas em seis anos, nenhuma rebelião, nenhuma arma ingressada, nem branca nem de fogo, nenhum item de consumo de droga, e nenhum celular ingressado no sistema prisional de Ribeirão das Neves”. Ele citou ainda o “atendimento humanitário, correto” e a “oportunidade de educação” ao preso - “ensino presencial, ensino universitário à distância, prática esportiva  e elevados índices de recuperação”.

O que o governador esqueceu de mencionar, mas que o SIFUSPESP precisa informar às pessoas, é que em Ribeirão das Neves os detentos que entram passam por uma seleção extremamente criteriosa, na qual oriundos de facções criminosas, autores de crimes graves e condenados por estupro, entre outros “presos-problema” são proibidos de acessar o local.

Isso acontece porque a empresa que administra a unidade - o consórcio GPA - pode ser multada pelo Estado caso ocorra qualquer tipo de tumulto, rebelião ou tentativa de fuga. Mas para onde vão todos os mais de 230 mil detentos que excedem essas vagas ofertadas no novo modelo?

Esta é uma pergunta que não foi feita por nenhum jornalista e que certamente o governador não tem respostas, pois esses presos continuarão em presídios públicos insalubres, sem estrutura e com quadro de funcionários reduzido, já que nomeações de aprovados em concursos públicos para todas as áreas não têm sido feitas - não ocorreu nenhuma neste ano de 2019, nem para agentes penitenciários, nem para agentes de vigilância e escolta ou profissionais das áreas meio,  critica a direção do SIFUSPESP.

Na coletiva, Doria também não mencionou que a oportunidade de “atendimento humanitário correto e de educação” não pode ser desvinculada de oferta de trabalho aos presos. Em Ribeirão das Neves, apesar de todo esse filtro, percentualmente e de acordo com dados da própria GPA na comparação com a SAP, menos sentenciados exercem atividade remunerada comparativamente ao conjunto das unidades prisionais públicas de São Paulo. Na educação, percentualmente Ribeirão das Neves está ligeiramente à frente.

O governo ainda esqueceu de citar que em nenhum momento abriu debate com a população nem com a Assembleia Legislativa, onde os deputados cobram diálogo e exigem que o projeto seja discutido na Casa por se tratar de medida de enorme impacto na segurança pública de São Paulo.

Entre outras mobilizações contra a privatização de presídios, o SIFUSPESP tem buscado apoio na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), onde os deputados já expressaram seu descontentamento com a falta de diálogo e cobram que a proposta de Doria seja discutida na Casa.

Diante da pressão e das ações do sindicato, que já conseguiu inclusive mudar a pauta da Comissão de Segurança Pública e Assuntos Penitenciários (veja a reportagem da TV Alesp no vídeo abaixo), os parlamentares estão atentos à questão e a expectativa agora é pela assinatura dos deputados em apoio à criação de uma frente contra essas privatizações.

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