Debate sobre o projeto de lei 2.694/2015 foi solicitado pelo deputado federal Subtenente Gonzaga(PSD-MG), e é fundamental para definir futuro das pretensões do governo federal de delegar a empresas serviços típicos de Estado, prestados pelos profissionais de segurança pública. Para o SIFUSPESP e a FENASPPEN, texto fere o artigo 144 da Constituição, ao permitir que movimentação interna, custódia e escolta de presos, que são funções dos policiais penais, sejam terceirizadas

 

por Giovanni Giocondo

Acontece nesta terça-feira(17), na Comissão de Constituição e Justiça(CCJ) da Câmara Federal, em Brasília, uma audiência pública em que a privatização do sistema prisional estará no centro da pauta.

Solicitado pelo mandato do deputado federal Subtenente Gonzaga(PSD-MG), que é membro da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, o debate começará às 9h da manhã, e vai jogar luz sobre o Projeto de Lei 2.694/2015, que “dispõe sobre a execução indireta de atividades desenvolvidas nos estabelecimentos penais”. É possível participar ao vivo da discussão, por meio deste link.

De acordo com informações da Agência Câmara de Notícias, o texto já foi aprovado pelas comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público e de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado. Agora, a proposta depende de aprovação da CCJ antes de seguir para Plenário.

A discussão do texto foi retomada após uma iniciativa do governo federal, que através do Conselho Nacional de Politica Criminal e Penitenciária(CNPCP), abriu em junho de 2021 consulta pública sobre a privatização, além de escalar o ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, para defender publicamente o modelo de cogestão das unidades prisionais, semelhante ao pretendido pelo ex-governador João Doria(PSDB) em São Paulo.

A participação na audiência é fundamental para que os sindicatos que representam os servidores penitenciários em todo o país demarquem sua posição contra as pretensões, tanto do governo federal quanto dos Estados, de terceirizar as atividades dos policiais penais que são, por lei, indelegáveis a empresas. 

 

SIFUSPESP e FENASPPEN repudiam terceirização de atividades policiais, exclusivas de servidores do Estado

Na perspectiva do SIFUSPESP, a proposta de privatização é inconstitucional porque fere, em primeiro lugar, o artigo 144 da Carta Magna, onde está incluída, desde 2019, a Polícia Penal como instituição que faz parte do rol de atividades da segurança pública.

Para o sindicato, atividades como a custódia dos presos, sua movimentação interna nas unidades, seu transporte e escolta, entre outras atribuições típicas de Estado, e que invocam o poder de polícia “indelegável” à iniciativa privada, não podem ser terceirizadas.

Em nota técnica encaminhada à CCJ da Câmara, a Federação Nacional Sindical dos Policiais Penais(FENASPPEN) havia argumentado que as instituições policiais “são estruturas eminentemente estatais, já que cabe exclusivamente ao Estado o uso legítimo da força, para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e da  preservação do patrimônio”.

No entendimento da entidade que representa sindicatos de trabalhadores do sistema prisional de todo o país, as atividades policiais previstas na Constituição “extrapolam as funções administrativas” e por essa razão, não podem ser terceirizadas.

 

Funções de agentes penitenciários já visavam o combate ao crime antes mesmo da promulgação da PEC da Polícia Penal

Antes mesmo da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional(PEC) 104/2019, os trabalhadores do sistema prisional do Brasil já exerciam atividades tipicamente policiais, entre elas a apreensão de drogas, armas e celulares, a colaboração com a Justiça e outras forças policiais na investigação de crimes; evitando assassinatos; contendo motins e rebeliões; investigando possíveis tentativas de fugas e tumultos nas unidades; recapturando pessoas evadidas de unidades prisionai, além de ações de inteligência

“Pela natureza de suas atribuições, o agente penitenciário/policial penal, pelas características e princípios inerentes à atividade, possui na sua gênese o poder de polícia em sentido estrito, como atividade estatal, tendo por base a limitação individual e proteção do interesse público”, prossegue o documento.

O fato de os servidores do sistema prisional colaborarem de forma decisiva para investigações criminais e, em virtude de seu trabalho, serem cotidianamente alvo do crime organizado, também são motivos nítidos da representatividade que eles têm como agentes do Estado que, na forma da lei, executam as penas privativas de liberdade .

“Informações obtidas no ambiente prisional acabam sendo essenciais para evitar práticas criminosas ou contribuir no desvendamento de crimes praticados nas articulações ocorridas entre membros de facções que se encontram presos com os que estão soltos. Os agentes penitenciários/policias penais, assim como os demais policiais, têm sido constantemente vítimas de assassinatos em decorrência de sua profissão. Os perpetradores de tais crimes os têm como representantes do Estado que atuam no combate ao crime, seja fora ou dentro das prisões, portanto, como policiais”, informa o documento.

Ainda conforme esclarece a nota técnica da FENASPPEN, mesmo a lei federal 11.079/2004, que define as normas gerais a respeito das parcerias público-privadas, veta a participação de empresas em funções de “regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades típicas de Estado”.

 

Proposta de "cogestão" é porta de entrada para empresas em todos os setores, e eleva risco de o crime organizado dominar o sistema

O SIFUSPESP ressalta que apesar de, na teoria, o governo federal afirmar que no modelo de cogestão, somente a alimentação, a limpeza e a gestão da saúde e da educação dos sentenciados seria feita por entes privados, na prática a entrada de empresas nas prisões seria um caminho sem volta, irreversível também no que tange ao avanço sobre as atribuições dos policiais penais.

Outro fator crítico que colocaria em risco a segurança da população a partir da privatização é a possibilidade de o crime organizado se apoderar de empresas lícitas para administrar as penitenciárias, sem o controle por parte do Estado, e ter caminho livre para executar seus delitos sob a proteção de um contrato, abrindo caminho para a corrupção endêmica de funcionários sem vínculo com o Estado, além de também elevar a possibilidade de novas matanças promovidas entre facções rivais dentro das prisões.

No sistema terceirizado, o custo por preso para o erário público é também superior na comparação com o modelo público. Dados da Secretaria de Administração Penitenciária(SAP) mostram que em São Paulo, cada sentenciado sob sua custódia onera o Estado em R$1.580 por mês, enquanto que no modelo de cogestão, ventilado com a abertura de um edital de concorrência, em 2020, salta para R$3.033.