Cláudia Raulino

Agente de Segurança Penitenciária há 27 anos, é formada em sociologia pela Fespsp
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Claudia Raulino, Agente de Segurança Penitenciária e socióloga

 

Quinze anos se passaram desde a implosão da Casa de Detenção do Carandiru, conhecida com o símbolo do fracasso do sistema penitenciário que ao longo de quarenta e seis anos sobreviveu ao ritmo de vida imposto pela dialética do bem e do mal.

Sua estimativa de vida forjada tal qual a expectativa de vida do agente penitenciário: 46 anos. Sua implosão foi um marco na história do Sistema Penitenciário Paulista contra o crime.             

Sim, o prédio colossal foi ao chão e a impressão foi a de que o projeto do crime organizado  desmantelou-se juntamente com os entulhos daquela instituição anacrônica e surreal. Vista aos olhos nus da sociedade cega que seguia no cotidiano da Estação Carandiru.

Meses antes da implosão, presenciei uma reunião no Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo(SIFUSPESP), envolvendo agentes da Casa de Detenção, então preocupados com seus colegas, ou os GPS(guardas de presídio), como eram chamados.

Eles queriam saber das decisões que ainda não haviam sido publicadas em Diário Oficial. O que pude ver nessa ocasião foi que, mesmo o local sendo visto como o pior de se trabalhar,  era o lugar onde esses agentes davam o seu melhor. Vi uma categoria unida por um propósito único, preocupada com o que iria acontecer com todos.

Estavam tristes porque aquele espaço, embora degradante, foi o espaço onde conheceram o melhor do seu colega de trabalho, a união e a preocupação de saber que seu amigo estava lá dentro.

Sentia-se na pele e na carne a sensação de entrar sem a certeza de que iriam sair. Um depositava no outro a expectativa da sua proteção e a alegria estampada nos olhos daquele que iria abrir o último portão ao término ao plantão.

Agentes, técnicos, oficiais, advogados, diretores e todos outros se viam como um. Todos os postos compunham um único lugar: O lugar  do profissional  prisional que queria um sindicato forte e não um colete à prova de bala.

Não há de se negar que havia notícias de falecimento, de profissionais que sucumbiram à profissão fazendo parte da estatística sobre a estimativa de vida do Agente de Segurança Penitenciária(ASP), que era de 45 anos. Colegas que foram vítimas de ciladas não da bandidagem, mas da própria vida que cobra um preço alto por trabalhar em um lugar insalubre e que oprime física e mentalmente o profissional.

Os  presos foram pulverizados em vários Centros de Detenção Provisória(CDPs) por todo Estado de São Paulo, assim como os agentes. Pequenas Casas de Detenção foram instituídas e ocorreu que o crime organizado expandiu seu território. Entretanto, o mesmo não aconteceu com o ASP, que se dividiu, embora o contingente de funcionários tenha se ampliado. Dividiram-se também seus interesses e suas funções, limitou-se seu campo de ação, diferenciou-se sua realidade .

O que deveria ter nos fortalecido enquanto categoria prisional nos restringiu enquanto sujeito político, enquanto classe sindical. A luta, que anteriormente era apenas por reajustes salariais, hoje é muito mais árdua. Trata-se de sermos respeitados em nossas funções e nossas armas, de sermos vistos e lembrados. Um tempo de luta para não sermos moedas de troca, para não sermos reféns no dia a dia do sistema.                        

Não se trata de saudosismo, até porque o desarranjo da Detenção afetava vários aspectos da sociedade como um todo.Trata-se, na verdade, de alinhar os sentimentos de uma categoria que tem força, garra, coragem, inteligência, técnica e visão. Uma categoria que tem sonhos, de se aposentar inclusive. Mas não só isso, o  sonho de sermos reconhecidos após colaborarmos durante tanto tempo para a sociedade em termos de segurança nacional.

Temos o sonho de viver bem mais que a expectativa de até 45 anos(segundo estudo realizado pelo Instituto de Psicologia da USP, em 2011), semelhante à existência da Casa de Detenção, que durou 46. Afinal de contas, somos a artéria desse corpo presente (prisão) em todas as sociedades. E até que se encontre o antídoto de não as ter mais, ainda somos nós, todos os profissionais prisionais, aqueles que temos o aporte para as possíveis soluções para os problemas desse sistema.